Josef H. Reichholf, biólogo alemão, defende essa tese no livro A Invenção da Agricultura: por que os homens se tornaram sedentários (Warum die Menschen wurden: Das gropte ratsel unserer Geschicthe) publicado originalmente em alemão em 2008, em espanhol em 2009 e sem tradução para o português até o momento.
REICHHOLF, Josef H. La invención de la agricultura: por qué el hombre se hizo sedentário. Barcelona: Crítica, 2009.
Para explicar brevemente essa tese ao leitor deixamos aqui a resenha de Andrea Muller sobre o livro:
Por que o homem passou de caçador a agricultor? Há cerca de 12 mil anos aconteceu algo que ainda é determinante para nosso mundo. Após milênios de nomadismo, caçadores tornaram-se fazendeiros e agricultores repentinamente – esse acontecimento é conhecido como “Revolução Neolítica“, como a transição da Idade da Pedra para a História. Mas há muita especulação acerca do porquê e de como isso ocorreu. Em seu novo livro, “Por que os homens se tornaram sedentários“, o renomado biólogo evolucionista J.H. Reichholf também se debruça sobre a questão. E sua resposta é surpreendente: não foram a miséria e a fome que estavam nos primórdios do sedentarismo, mas festas animadas e a descoberta do álcool.
Como diz o velho ditado, “a necessidade é mãe da invenção“. Essa noção também serve de base para muitas teorias sobre a invenção humana: assim, a origem evolutiva do Homo Sapiens teve seu rastro investigado no encolhimento das florestas africanas, que o obrigou a caminhar ereto nas pradarias. Explicações semelhantes também serviram até agora de base para a maior parte das especulações acerca da “Revolução Neolítica“: a escassez teria obrigado a cultura de caça e colheita a se estabelecerem no fim da última Era do Gelo. Os grãos se tornaram substitutos da carne.
Reichholf argumenta de modo convincente contra essas teses: a abundância e não a escassez teria transformado o homem num ser cultural engenhoso e servido de gatilho para a mudança, tanto na formação do ser humano quanto na transição da caça para a agricultura.
O autor mostra que a trajetória de nossos ancestrais para a savana não foi provocada pelo desaparecimento das florestas, mas baseou-se em benefícios evolucionários. Pois somente o sucesso reprodutivo continuado fez dos primatas herbívoros Homo Sapiens predadores. Carcaças e mais tarde animais de grande porte abatidos traziam carne que continham muito mais proteína do que frutas e outros vegetais.
Essa abundância de proteína proporcionou ao emergente gênero humano duas vantagens seletivas: ela possibilitou um ótimo sustento das mães e, com isso, um crescente número de crianças – ao mesmo tempo o bebê podia ser mais bem alimentado. A conseqüência foi um enorme aumento da prole.
A vantagem evolutiva de ser carnívoro tornou possível a existência do homem. No entanto, foram precisos milênios até que aquele homem se tornasse o que somos hoje: um ambulante descalço, mas de extrema perseverança, que dispõe do melhor sistema de refrigeração de todos os mamíferos, o suor. Isso possibilitou que o homem, diferentemente de outros animais predadores, fosse atrás da carne e tirasse proveito de uma abundância de rebanhos de animais de grande porte.
De modo semelhante, Reichholf também tece argumentos quanto à cultura do homem. Pois, embora ele mesmo tenha, por assim dizer, retirado-se da evolução natural através de sua aptidão para a cultura, o “instável“ dominou o “estável“ também nos avanços culturais. Isso valeria também para a “Revolução Neolítica“. A rigor não se trata de uma revolução, mas de uma mudança gradual, no fim da qual estava a implementação da agricultura. Neste particular Reichholf ainda não se diferencia da principal corrente de pesquisa, mas para fundamentar sua tese ele contesta a interpretação padrão e aponta as lacunas da “Teoria da Escassez“. Essa sugere que o homem teria precisado adaptar-se aos grãos por conta da escassez de vida animal. O “Crescente Fértil“, a região onde surgiu a agricultura, possuía, contudo, uma grande riqueza vegetal, que podia alimentar perfeitamente a vida animal. Por que haveria, então, de haver justamente uma escassez dela? Ainda mais convincente é certamente a conta que Reichholf apresenta para o balanço de energia: teriam sido necessários três quilos de grãos por dia por pessoa, para se equiparar à riqueza protéica de uma dieta de carne. Durante um ano, isso significaria para uma família um consumo de cerca de cinco toneladas de grãos. Aí ainda não foi contabilizada a perda através de parasitas, assim como o fato de que os primeiros grãos eram bem menos férteis do que os cultivados atualmente. Só essa conta já desmascara a simplista “Teoria da Escassez“.
Mas por que, afinal de contas, o homem começou a cultivar plantas? A resposta de Reichholf é tão surpreendente quanto convincente: por causa do álcool. Inicialmente a quantidade de grãos ofertada não havia sido suficiente para substituir a carne, mas podia-se então extrair álcool através da fermentação. Que cumpria várias funções: como substância entorpecente, ele fortalecia a comunhão em festas, e ao mesmo tempo as enzimas soltas durante o processo de fermentação serviam para facilitar a digestão de porções difíceis dos vegetais, liberando nutrientes adicionais. O primeiro grão cultivado identificado também não é o trigo, e sim a cevada, ainda hoje usada para fazer cerveja. Somente mais tarde, segundo Reichholf, o fermento para assar pão teria resultado da pasta da cerveja. Também é significante ainda hoje a tolerância ao álcool em culturas em que o principal alimento é o pão. Reichholf apresenta ainda outros vários indícios surpreendentes para sua tese: ele implica aí também outras substâncias entorpecentes e investiga sua influência na descoberta de plantas como o milho, o arroz ou a batata.
“Por que os homens se tornam sedentários” é uma viagem ilustrativa através dos primórdios da história da humanidade: da origem de nosso gênero, passando pelos caçadores da Era do Gelo e os animais domésticos, até a relação entre língua, drogas e cultura. Reichholf não omite nada, até mesmo o unicórnio encontra um lugar em sua narrativa. Ainda que nem tudo pareça imediatamente compreensível, sua argumentação é convincente ao fim, pois Reichholf fundamenta sua tese em novos conhecimentos da biologia, antropologia, arqueologia, genética molecular e lingüística. O autor argumenta com profundidade, de modo inteligível e fascinante. Ele consegue tornar compreensíveis até mesmo complexos detalhes da biologia evolutiva. Este livro possui a qualidade rara de comunicar conhecimentos científicos inovadores de uma maneira divertida. O olhar de Reichholf para o passado de nossa espécie contém elementos que levam à reflexão, tanto em relação à questão de onde o homem vem quanto aonde nossa origem ainda pode nos levar.”
Andrea Müller, Setembro de 2009
[Tradução de Eduardo Simões]
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